A Vaca
(Extraído do livro "As 5 Pedras de David")
Um certo Mestre quis ensinar uma lição ao seu aprendiz. Pediu-lhe para identificar uma das casas mais pobres da cidade e então pediu-lhe para levá-lo lá.
A casa tinha um aspeto muito rude e muito precário. Uma particularidade que despertava a atenção era uma vaca que estava no terreno junto da casa. O Mestre tomou a iniciativa e bateu à porta. Um homem com roupas sujas e muito gastas abriu a porta e simpaticamente convidou-os a entrar. Foram bem recebidos por toda a família e logo se estabeleceu um bom relacionamento e uma conversa calorosa. O Mestre foi estabelecendo conversa com o homem da casa e perguntou-lhe como é que ele passava. O homem era muito negativo e muito queixoso, pois era pobre e não arranjava trabalho. Queixava-se um pouco de tudo: da sociedade, do governo, da segurança social, da falta de oportunidades, dos preços altos, etc. Quando o Mestre lhe perguntou como é que a família sobrevivia, uma vez que ninguém tinha trabalho, o homem orgulhosamente apontou para a vaca que conseguia ser vista pela janela. Ele disse:
– Esta vaca é a nossa sorte; é o que nos vale. O leite que ela produz é o que nos sustenta. Vendo-o no mercado e vai dando para a nossa subsistência. Não nos tira da pobreza, mas permite que sobrevivamos. Não sei o que seria de nós sem ela...
Muitos outros elogios foram dados à vaca por toda a família e depois foram conversando sobre muitas outras coisas. Sendo já tarde, a família amavelmente convidou o Mestre e o aprendiz a passarem lá a noite. As condições não eram as mais cómodas, mas ofereceram o chão da sala com uns cobertores velhos para amaciar a dureza do chão. O Mestre aceitou a oferta e assim passaram lá a noite.
Muito cedo, com o nascer do sol, o Mestre acordou o aprendiz e disse-lhe que iam embora. O aprendiz não entendeu porque dormiram lá e menos entendeu porque se levantaram sem se despedir de quem tão amavelmente os tinha recebido.
Ao saírem, lá estava a vaca, junto à porta da casa. Foi então que o Mestre pediu o impensável:
– Estás a ver aquele machado? Agarra nele e mata a vaca.
O aprendiz nem queria acreditar no que estava a ouvir e respondeu prontamente:
– Mas para quê tal loucura? A vaca é a única fonte de sustento da família. Sem ela morrerão de fome...
O Mestre friamente continuou a demonstrar a sua vontade, sem qualquer margem para negociação. Pela primeira vez o aprendiz não entendia o seu Mestre e não concordava com tamanha crueldade. Mas tinha jurado obediência e com muita dificuldade fez o que lhe era ordenado: matou a vaca. Logo de seguida saíram dali e desapareceram.
Nunca mais o Mestre falou sobre o assunto e muito menos o tinha ousado o aprendiz. Passado um ano, o Mestre disse ao seu aprendiz:
– Vamos voltar à casa da família que tinha a vaca para saber como têm passado.
O aprendiz nem queria acreditar no que ouvia. Mas respondeu:
– Provavelmente já morreram de fome. Se isso ainda não tiver acontecido, se nos veem matam-nos por vingança. Não aconselho tal insensatez.
O aprendiz ainda não tinha percebido que o Mestre não esperava os seus conselhos. E à medida que o Mestre se pôs a caminho, não lhe restou alternativa se não segui-lo... cheio de medo.
Ao chegarem à rua não foi muito fácil encontrarem a casa. Estava completamente diferente. Não mais um aspeto pobre, mas pelo contrário, uma casa toda remodelada, bem pintada, com boa qualidade e apresentação. Depois de confirmado que era a casa, bateram à porta. O coração do aprendiz saltava de medo e pavor.
O homem da família abriu a porta e reconheceu-os. O seu aspeto era diferente. Mais lavado, arranjado e com roupas novas e vistosas. Fez uma grande festa quando os viu e gentilmente (como era do seu costume) os convidou a entrar. Com grande euforia e sem os deixar falar, disse:
– Tenho muitas coisas para vos contar. Desde o dia que estiveram cá muita coisa aconteceu. Naquele dia que se foram embora – entendo que deveriam ter compromissos e por isso saíram muito cedo – alguém com intentos muito maldosos agarrou no machado que tinha lá fora e matou a nossa querida vaca. Quando vi tal loucura, pensei que seria o fim da minha vida e da minha família. Fiquei deprimido durante uns tempos, mas à medida que os meus filhos começaram a ter fome, entendi que tinha que fazer alguma coisa. Continuei à procura de trabalho, mas ninguém me dava. Então desesperadamente, olhei para aquilo que tinha: o pequeno terreno à volta da minha casa. Comecei a cultivar alguns legumes no terreno. Nada mais poderia fazer. Alguns familiares emprestaram-nos algum dinheiro para sobrevivermos até que aquilo que tinha cultivado pudesse render alguma coisa. Logo que colhi da terra, fui vender ao mercado e dediquei-me de corpo e alma a este negócio. E não é que começou a dar algum dinheiro? Pedi emprestados alguns terrenos aqui perto e semeei ainda mais. Comecei a pagar os empréstimos e hoje já não tenho dívidas. Tenho terrenos comprados e um negócio que está a crescer. Nunca pensei... Lamentei tanto pela falta da vaca, mas hoje até agradeço por tudo o que aconteceu – foi o início do nosso sucesso.
O aprendiz tinha aprendido a lição e o Mestre tinha-a ensinado muito bem.
******************************
Há coisas que parecem que são imprescindíveis, a única tábua de salvação, mas podem levar-nos a uma acomodação mórbida, a uma mediocridade cíclica que não nos permite ver nem fazer mais nada. Para alcançarmos certas coisas, precisamos largar outras. Para vermos evolução, precisamos abandonar a estagnação; para vermos transformação, precisamos deixar a acomodação; para vermos o sucesso, precisamos deixar o mediano; para chegarmos ao ótimo, precisamos deixar o que é bom; para chegarmos à excelência, precisamos largar a mediocridade. Não é assim tão fácil. Às vezes essa mediocridade está disfarçada em vacas que parecem tão boas e necessárias. Mas é necessário matar essas vacas...
A casa tinha um aspeto muito rude e muito precário. Uma particularidade que despertava a atenção era uma vaca que estava no terreno junto da casa. O Mestre tomou a iniciativa e bateu à porta. Um homem com roupas sujas e muito gastas abriu a porta e simpaticamente convidou-os a entrar. Foram bem recebidos por toda a família e logo se estabeleceu um bom relacionamento e uma conversa calorosa. O Mestre foi estabelecendo conversa com o homem da casa e perguntou-lhe como é que ele passava. O homem era muito negativo e muito queixoso, pois era pobre e não arranjava trabalho. Queixava-se um pouco de tudo: da sociedade, do governo, da segurança social, da falta de oportunidades, dos preços altos, etc. Quando o Mestre lhe perguntou como é que a família sobrevivia, uma vez que ninguém tinha trabalho, o homem orgulhosamente apontou para a vaca que conseguia ser vista pela janela. Ele disse:
– Esta vaca é a nossa sorte; é o que nos vale. O leite que ela produz é o que nos sustenta. Vendo-o no mercado e vai dando para a nossa subsistência. Não nos tira da pobreza, mas permite que sobrevivamos. Não sei o que seria de nós sem ela...
Muitos outros elogios foram dados à vaca por toda a família e depois foram conversando sobre muitas outras coisas. Sendo já tarde, a família amavelmente convidou o Mestre e o aprendiz a passarem lá a noite. As condições não eram as mais cómodas, mas ofereceram o chão da sala com uns cobertores velhos para amaciar a dureza do chão. O Mestre aceitou a oferta e assim passaram lá a noite.
Muito cedo, com o nascer do sol, o Mestre acordou o aprendiz e disse-lhe que iam embora. O aprendiz não entendeu porque dormiram lá e menos entendeu porque se levantaram sem se despedir de quem tão amavelmente os tinha recebido.
Ao saírem, lá estava a vaca, junto à porta da casa. Foi então que o Mestre pediu o impensável:
– Estás a ver aquele machado? Agarra nele e mata a vaca.
O aprendiz nem queria acreditar no que estava a ouvir e respondeu prontamente:
– Mas para quê tal loucura? A vaca é a única fonte de sustento da família. Sem ela morrerão de fome...
O Mestre friamente continuou a demonstrar a sua vontade, sem qualquer margem para negociação. Pela primeira vez o aprendiz não entendia o seu Mestre e não concordava com tamanha crueldade. Mas tinha jurado obediência e com muita dificuldade fez o que lhe era ordenado: matou a vaca. Logo de seguida saíram dali e desapareceram.
Nunca mais o Mestre falou sobre o assunto e muito menos o tinha ousado o aprendiz. Passado um ano, o Mestre disse ao seu aprendiz:
– Vamos voltar à casa da família que tinha a vaca para saber como têm passado.
O aprendiz nem queria acreditar no que ouvia. Mas respondeu:
– Provavelmente já morreram de fome. Se isso ainda não tiver acontecido, se nos veem matam-nos por vingança. Não aconselho tal insensatez.
O aprendiz ainda não tinha percebido que o Mestre não esperava os seus conselhos. E à medida que o Mestre se pôs a caminho, não lhe restou alternativa se não segui-lo... cheio de medo.
Ao chegarem à rua não foi muito fácil encontrarem a casa. Estava completamente diferente. Não mais um aspeto pobre, mas pelo contrário, uma casa toda remodelada, bem pintada, com boa qualidade e apresentação. Depois de confirmado que era a casa, bateram à porta. O coração do aprendiz saltava de medo e pavor.
O homem da família abriu a porta e reconheceu-os. O seu aspeto era diferente. Mais lavado, arranjado e com roupas novas e vistosas. Fez uma grande festa quando os viu e gentilmente (como era do seu costume) os convidou a entrar. Com grande euforia e sem os deixar falar, disse:
– Tenho muitas coisas para vos contar. Desde o dia que estiveram cá muita coisa aconteceu. Naquele dia que se foram embora – entendo que deveriam ter compromissos e por isso saíram muito cedo – alguém com intentos muito maldosos agarrou no machado que tinha lá fora e matou a nossa querida vaca. Quando vi tal loucura, pensei que seria o fim da minha vida e da minha família. Fiquei deprimido durante uns tempos, mas à medida que os meus filhos começaram a ter fome, entendi que tinha que fazer alguma coisa. Continuei à procura de trabalho, mas ninguém me dava. Então desesperadamente, olhei para aquilo que tinha: o pequeno terreno à volta da minha casa. Comecei a cultivar alguns legumes no terreno. Nada mais poderia fazer. Alguns familiares emprestaram-nos algum dinheiro para sobrevivermos até que aquilo que tinha cultivado pudesse render alguma coisa. Logo que colhi da terra, fui vender ao mercado e dediquei-me de corpo e alma a este negócio. E não é que começou a dar algum dinheiro? Pedi emprestados alguns terrenos aqui perto e semeei ainda mais. Comecei a pagar os empréstimos e hoje já não tenho dívidas. Tenho terrenos comprados e um negócio que está a crescer. Nunca pensei... Lamentei tanto pela falta da vaca, mas hoje até agradeço por tudo o que aconteceu – foi o início do nosso sucesso.
O aprendiz tinha aprendido a lição e o Mestre tinha-a ensinado muito bem.
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Há coisas que parecem que são imprescindíveis, a única tábua de salvação, mas podem levar-nos a uma acomodação mórbida, a uma mediocridade cíclica que não nos permite ver nem fazer mais nada. Para alcançarmos certas coisas, precisamos largar outras. Para vermos evolução, precisamos abandonar a estagnação; para vermos transformação, precisamos deixar a acomodação; para vermos o sucesso, precisamos deixar o mediano; para chegarmos ao ótimo, precisamos deixar o que é bom; para chegarmos à excelência, precisamos largar a mediocridade. Não é assim tão fácil. Às vezes essa mediocridade está disfarçada em vacas que parecem tão boas e necessárias. Mas é necessário matar essas vacas...
História de domínio público.
Hugo Pinto, Extraído do livro "As 5 Pedras de David".
Colocado em 12/12/2012.
Hugo Pinto, Extraído do livro "As 5 Pedras de David".
Colocado em 12/12/2012.